Na primeira parte de sua entrevista exclusiva com o Flashscore, Julio Tous garante que o Barça vai ter vantagem na próxima temporada por não disputar a Copa do Mundo de Clubes, e chama o atual calendário de "selvagem".
Ele também revela quais os segredos da potência de Lewandowski e Yamal, e conta como o Barcelona revolucionou a preparação física.
Confira a conversa a seguir:
Calendário selvagem
Flashscore: Muito do seu trabalho é feito para evitar lesões?
Julio Tous: Sim, sim, mas também para aumentar o desempenho. No futebol de hoje, o número de competições que ocorrem a cada ano é uma verdadeira selvageria.
Este ano, além disso, temos outra, que não disputamos. Todos gostariam de ganhar a Copa do Mundo de Clubes e, claro, seria o ideal, mas do ponto de vista da prevenção, é um problema. Lembro-me de um relatório da FIFA que dava o exemplo de Lautaro Martínez (atacante da Inter de Milão), que teve uma série de jogos por ano com menos de cinco dias de intervalo, o que era totalmente inável.
Que contramedida você pode tomar? O rodízio. Mas, é claro, se você está em um time como o Barça, você quer vencer. Portanto, a rotação é limitada porque você quer jogar com os melhores jogadores. Se você tivesse dois times, poderia fazer isso de forma moderada e colocar alguns jogadores jovens para jogar na copa ou algo assim. Mas essa medida é complicada.
Então, que outra contramedida você pode fazer? Melhorar todo o e em nível condicional, que é o que tradicionalmente se entende como preparação física e e médico, que são os que mais ajudam a aguentar isso. E é uma função dupla: prevenir, mas também manter o desempenho obtido no início da temporada, especialmente na pré-temporada, e durante o ano, para que não caia em uma queda.
E o que você faz no final do ano são microdoses de trabalho mantidas durante todo o ano para que você não perca o que ganhou no início do ano na pré-temporada.
Mundial é problema?
Como você vê a próxima temporada? Os dois rivais mais fortes do Barcelona na LaLiga são o Real e o Atlético de Madri. Ambos estão disputando a Copa do Mundo de Clubes. O Barcelona vai ter uma vantagem física por não estar no torneio da FIFA?
Sim, não podemos negar que deve haver uma influência, porque o número de partidas acumuladas nesta temporada por essas duas equipes será muito maior.
Além disso, temos de acrescentar os jogos que as seleções têm. E vai ser, não sei se posso chamar de drama, mas vai ser muito complexo conseguir regenerar toda essa carga competitiva acumulada em tão pouco tempo oorque a LaLiga começa em meados de agosto.
Quanto tempo os rivais têm para compensar o Mundial da FIFA?
Eles terão de ser muito cuidadosos nas poucas semanas de descanso para que o jogador possa se recuperar mentalmente, mas também se regenerar em nível físico. E isso não é fácil, porque, é claro, normalmente isso é dado, mesmo que seja uma semana dizendo: 'Olha, esqueça o futebol, esqueça o treinamento'.
"Aproveite com sua família e, depois de uma semana, começaremos a nos movimentar um pouco. Mas, acima de tudo, quero que você esqueça isso mentalmente.
"Reiniciem e, a partir daí, começaremos a trabalhar. Eu quase diria que eles não poderão se dar a esse luxo, porque agora serão surpreendidos por aqueles que chegarem no final da pré-temporada, quando a pré-temporada estiver quase terminando.
"Não há tempo material. Em outras palavras, é isso mesmo, e é provavelmente isso que as instituições têm de considerar, porque elas estão realmente forçando muito a máquina, do meu ponto de vista.
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A lesão de Ter Stegen
Qual você acha que é o problema de Ter Stegen?
O que eu também entendo que aconteceu este ano é que, de repente, havia um goleiro que havia consolidado sua posição, e então havia o jogador titular que queria voltar.
E, é claro, o tempo era muito apertado. E, no final, a decisão tomada pelo técnico, que é a decisão dele, é tomada, e toda a equipe por trás dele faz o que tem de fazer para mostrar os dados necessários para apoiar ou não.
Este é um caso em que talvez um goleiro não seja trocado, mas com um jogador de linha é mais comum dizer ao técnico: "eu não o colocaria em campo por mais de 30 minutos ou o colocaria no final, pois é onde ele pode fazer a maior diferença, ele está pronto para isso, mas não por mais tempo".
Mas com um goleiro, talvez seja a coisa mais delicada.
E, claro, este ano também houve a circunstância de que Ter Stegen, quando entrou como goleiro titular, a equipe, como disse o técnico, não havia perdido. Portanto, não havia motivo para trocá-lo.
O segredo de Lewa
O atacante Robert Lewandowski teve um desempenho espetacular nesta temporada, marcando 40 gols aos 36 anos de idade. Qual seu segredo?
Ele é um jogador que sempre se cuidou muito bem e que tem uma ética de trabalho incrível e uma predisposição para trabalhar assim.
Não é normal que um atacante, um goleador, tenha esse tipo de disciplina e caráter ao longo dos anos, mas Lewandowski nesse aspecto é um exemplo.
Se você me perguntar como especialista nesses assuntos, eu diria que se há um reforço, um reforço quando você é relativamente velho para o futebol, que é o trabalho neuromuscular de alta intensidade.
O trabalho metabólico deve ser secundário de alguma forma, tudo o que é trabalho de longa duração, etc.
E o que permite que você continue competindo é o neuromuscular. Essa é a sua potência, seu arranque e assim por diante. É claro, isso está relacionado e você pode, de alguma forma, levar o neuromuscular para o metabólico, para ser resistente ao longo do tempo. Mas a base é o neuromuscular.
Se você não tiver essas estruturas preparadas para gerar alta potência e depois treiná-las para manter a potência, você vai ter lesões, quedas de desempenho, oscilações de desempenho. Portanto, ele tem sido muito disciplinado, e o programa (do Barcelona) para alguém como ele o ajuda enormemente.
Yamal é mix de "pantera com cobra"
Como você trabalha com Lamine Yamal, um adolescente que tem se iguala às performances dos adultos?
Tenho de itir que, no primeiro dia em que o vi, tive de esfregar os olhos.
Porque, de repente, vi uma espécie de, não sei se devo chamá-la de algo entre uma pantera e uma cobra, movendo-se em uma velocidade muito rápida.
E eu disse: "Se é a primeira sessão de treinamento e ele já está assim, e ele não está fazendo nada na teoria, a qualidade que esse garoto tem é incrível".
Ele ainda não está totalmente desenvolvido e, claro, a força que ele é capaz de colocar em uma bola ou na aceleração, na parada, é deslumbrante.
Essa fiação interna, posso garantir, é de um nível muito alto. Isso torna tudo mais fácil, porque ou você tem ou não tem.
O que mais me surpreendeu em Lamine é como você pode ser tão maduro e, de certa forma, tão estável em seu comportamento nessa idade, porque eu certamente não era. Quero dizer, acho que quando chegamos a essa idade, os hormônios nos matam e você tem dias de altos e baixos, brigas com sua mãe, com sua avó, com todo mundo, porque você é um adolescente instável por definição.
Acho que o Barça e (da academia de) La Masia fizeram um trabalho incrível em termos de educação, porque ele é um garoto educado e respeitoso, e você nunca o vê no vestiário fazendo algo fora do lugar.
Como todos os garotos de La Masia, ele tem uma cultura esportiva muito boa. Você aplica o que acha que ele precisa em um nível individual e depois faz a progressão para o traje sob medida. Lamine torna tudo muito mais fácil para quem trabalha com ele.
Como funciona a parceria com Flick
Como você encaixa seu método de trabalho no Barcelona com o técnico Hansi Flick?
Tous: Há dois caminhos que se cruzam, o que já existia no Barcelona e uma equipe técnica liderada por Flick, que vem com algumas ideias, obviamente, da Alemanha, o que cria uma sinergia fantástica.
Então, para mim, isso seria a coisa mais notável desta temporada. Em outras palavras, de repente, quando começamos a falar com o Flick do grupo de trabalho, nos entendemos imediatamente. Mas, digamos que, de todos nós que treinamos os jogadores, essa é provavelmente uma das causas que teve o maior impacto, não é? Essa sinergia entre uma cultura, digamos, alemã, com a cultura da escola do Barcelona.
Como você definiria este método do Barcelona?
Essa metodologia de Paco Seirul-lo (preparador que chegou ao Barcelona em 1994, autor do livro sobre o DNA do clube) é a ponta de lança inicial; ela é projetada única e exclusivamente para esportes coletivos.
E o futebol é provavelmente onde há a maior possibilidade de aplicá-la. Tudo isso começou no handebol, com um Barça que era arrasador, que ganhou várias Copas da Europa brutais e depois ou para o futebo
A grande diferença em relação a outras metodologias que você pode encontrar no mundo todo, de escolas muito poderosas, como a alemã, é que essa foi concebida única e exclusivamente para esportes coletivos. E o resto é uma adaptação dos esportes individuais.
E, para mim, esse é o erro; sempre haverá um viés acumulado devido ao fato de que você pegou algo do mundo do atletismo ou do mundo da natação e o adaptou a um mundo como o do futebol, que é um caos absoluto.
A coisa mais imprevisível que existe é o futebol. Portanto, esses esportes são cíclicos, previsíveis e têm a ver com desempenho e entrega. E o futebol é um esporte situacional.
É complexo no sentido de que está em constante evolução e, é claro, não vai funcionar. Talvez, com um atleta de alto desempenho ou com um jogador de futebol de alto desempenho, que é um gênio, apesar de treiná-lo de uma forma que não é a mais adequada, ele ainda vai se impor e conseguirá dar resultados, certo?
Mas, para mim, a beleza desse método, que provavelmente só existe um outro método semelhante, mas do ponto de vista tático, que é a proposta de periodização tática do Victor Frade, é que ele é baseado no esporte coletivo. Em outras palavras, ele é projetado para isso, não adaptado.
Essa mudança é muito importante porque o Paco fez um esforço, porque ele mesmo veio do atletismo. Mas ele disse: "Temos que reinventar a teoria do treinamento".